Seleção natural, a sobrevivência do mais forte?

06/04/2011 17:02

Por: Diogo Moreira

 

    Você realmente entende como funciona a evolução por seleção natural? Se a resposta for não, você não está sozinho. Na verdade, está acompanhado por muitos que sabem que não entendem e, pior ainda, muitos que acham que entendem. Acredito que não poderia ser diferente. Além de ser uma ciência com poucos séculos de intensa dedicação, o Evolucionismo ainda enfrenta opositores pelo mundo todo. O fato é que estas barreiras dificultam a compreensão das ideias evolucionistas e principalmente sua transmissão às gerações futuras.

   Já entrei em contato com algumas ideias mirabolantes de pessoas que, por fazerem parte da grande massa mal informada sobre o assunto, buscam explicações para a evolução por seleção natural sem o uso dos métodos científicos. “Acho que seres avançados de outros planetas vêm de vez em quando e aperfeiçoam uma ou outra espécie para melhor adaptá-las às mudanças da Terra.” foi uma destas afirmações infundadas. Note que o autor da frase precisa apelar para um pensamento “quase espiritual“ na busca por alguma explicação alternativa para a evolução por seleção natural. Acho sinceramente que podemos melhorar este quadro de incompreensão inevitável. Tentarei trazer o leitor para o campo do questionamento. Para isso, precisaremos “destruir para construir”.

    O quarto capítulo do famoso livro A Origem das Espécies, de Darwin, carrega o sugestivo título: “Seleção natural, ou a sobrevivência do mais forte”. Se a seleção natural dependesse realmente da sobrevivência, ou seja, da capacidade de se manterem vivos, dos indivíduos mais aptos ao ambiente, a borboleta-monarca, Danaus plexippus, seria um escândalo evolutivo!

 

 

 Lagarta de borboleta-monarca. Observe a coloração aposemática.

 

  Assim como outras várias espécies de insetos, estes pequenos animais fazem uso de um mecanismo nada convencional de defesa. Considerando que suas lagartas são herbívoras, estes animais estão submetidos a várias estratégias de defesa comuns entre as plantas, dentre elas a produção de substâncias impalatáveis, ou seja, de gosto ruim. Muitas espécies eliminam estas substâncias, porém a lagarta da borboleta-monarca as armazena por um determinado tempo. Se uma lagarta é ingerida por um predador desavisado, as substâncias impalatáveis acumuladas durante a alimentação serão uma poderosa defesa. O predador receberá esta carga desagradável, acumulada por horas ou até mesmo dias, podendo inclusive vomitar o que já havia comido anteriormente. Um baita desconforto! Geralmente, estes curiosos insetos fazem ainda uso de coloração chamativa (aposemática), o que facilita a distinção por predadores mais “atentos” ao que vão comer.

    Convido o leitor a pensar usando a lógica. Volte às origens da característica de acúmulo de substâncias impalatáveis. Imagine a primeira lagarta de borboleta-monarca a acumular substâncias de gosto ruim em seu corpo. Talvez por uma simples mutação em algum gene responsável por parte do controle do mecanismo de excreção da espécie. A pobrezinha precisaria ter morrido para que o predador sentisse seu gosto impalatável e evitasse importunar outras lagartas da espécie, pelo menos por um tempo. Seria o fim! A mutação não seria transmitida a nenhum descendente! Se a seleção natural está ligada à sobrevivência do mais forte, como pode esta característica ter sido selecionada naturalmente se os indivíduos que a possuem precisam morrer para afastar os predadores? Será então que todos os indivíduos da espécie, que hoje apresentam o gosto ruim e as cores chamativas, estão na contramão da evolução por seleção natural? Por mais que tenhamos desenvolvido máquinas que voam, a gravidade não deixa de existir e o mesmo pode ser dito para a seleção natural. Por mais que certas espécies aparentemente não tenham seguido ao pé da letra o que foi escrito por Darwin sobre seleção natural, este processo silencioso e cego não deixa de acontecer. É necessário mudarmos o ponto de vista.

    Podemos entender melhor se observarmos que cada ser vivo é uma máquina transportadora e potencialmente transmissora de genes. Cada um dos quais existe em outros vários indivíduos da natureza. Indivíduos de mesma espécie possuem um conjunto de genes muito semelhante, o que dizer então daqueles que são de uma mesma família, como primos ou irmãos? Por mais estranho que soe, nesta pergunta está a resposta que considero mais plausível para a evolução da característica de impalatabilidade em insetos como a borboleta-monarca.

    Imagine que a tal lagarta “pioneira” no armazenamento de substâncias impalatáveis não tenha sido devorada, chegando à idade adulta, e que tenha transmitido esta característica para alguns descendentes. Existia apenas uma cópia do gene na população, agora temos mais de uma. Se um dos descendentes portadores do gene que condiciona a característica for ingerido por algum predador desavisado, as chances de seus irmãos sobreviverem aumentarão, mesmo que superficialmente, afinal o predador evitará novas investidas em lagartas da espécie. Acredito que o leitor já pode compreender que a probabilidade deste gene se disseminar por futuras gerações aumenta, considerando que está presente também nos irmãos mais bem sucedidos do indivíduo que foi devorado. 

 

 

Como provavelmente se deu a evolução do armazenamento de substâncias impalatáveis.

  

    Vejamos por outro lado. A coloração aposemática não deveria ser selecionada positivamente, afinal, potencialmente é um atrativo para predadores. Portanto os genes responsáveis por esta característica deveriam desaparecer rapidamente da população. Porém, quando combinados com nosso gene mutante hipotético para acúmulo de substâncias de gosto ruim, formaram um conjunto eficiente, pois os predadores reconhecerão com mais facilidade os indivíduos portadores da característica. Inclusive, considero muito provável que a coloração aposemática tenha evoluído posteriormente ao acúmulo de substâncias impalatáveis, aumentando a adaptabilidade daqueles indivíduos derivados da população ancestral. Talvez tenha sido ai o início da especiação de Danaus plexippus.

  

Possível surgimento da coloração aposemática em Danaus plexippus.

  

    Este e outros exemplos nos mostram que a seleção natural pode ser mais bem compreendida quando observada do ponto de vista dos genes. A brilhante frase de R. Dawkins, “Somos máquinas de sobrevivência...” resume estas ideias com perfeição. Somos hospedagens temporárias de nossos genes, que se deslocam de forma cooperativa ao longo de milhões e milhões de gerações, na forma de várias cópias, em vários corpos diferentes. Cada gene é potencialmente eterno, enquanto cada organismo os abriga por um tempo relativamente breve.

    Os mecanismos de seleção natural não estão resumidos aqui. Muito longe disso. Seria uma mentira imprudente dizer que a humanidade está perto de entender por completo estes mecanismos tão silenciosamente minuciosos. O objetivo dessa análise foi simplesmente mostrar como pode ser complicada a compreensão do processo de seleção natural, revelando a importância do estudo da evolução de cada um dos ramos da impressionante “árvore da vida”.

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Parabéns,

Ana Caroline | 15/06/2011

Adorei o artigo Diogo....
Focou ótimo!

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paulosutil | 12/04/2011

Só repito uma coisa, "somos máquinas de sobrevivência".
Mandou bem.

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Natália | 10/04/2011

O Athenas so tem fera!
Ficou muito bom o artigo!
Parabéns

Seleção natural

José Carlos de Magalhães | 10/04/2011

Ótima coluna. Compilação muito bem elaborada da teoria darwinista e neodarwinista. Sugest..: https://cienciaeideias.blogspot.com/2006/07/evoluo-e-declnio-do-imprio-neo.html

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Fernanda | 10/04/2011

Muito bom. Gostei demais.....

Parabéns

Pablo | 09/04/2011

Muito bom o artigo Diogão.
Como uma característica vantajosa apenas quando o indivíduo morre pode evoluir é sempre uma questão complexa.
Tá bem explicado cara.
Abraço.

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